Notícias do Tocantins – Nativa das florestas do México e da América Central, a baunilha encantava Maias e Astecas muito antes de cruzar oceanos com os conquistadores espanhóis no século XVI. Hoje, é a segunda especiaria mais cara do mundo — atrás apenas do açafrão — e um ingrediente essencial na gastronomia, perfumaria e indústria farmacêutica. Embora os aromas sintéticos dominem o mercado, apenas 1% da baunilha consumida globalmente é natural. É justamente nesse pequeno nicho que pesquisadores tocantinenses querem fazer história.
No Laboratório de Biotecnologia e Cultura de Tecidos Vegetais (Biotecnotins), da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), uma equipe liderada pelo professor doutor Lucas Koshy Naoe, especialista em Genética e Melhoramento, tenta um feito inédito no Brasil: germinar sementes de baunilha nativa. Mais que atender à demanda internacional, a pesquisa mira a conservação das espécies do Cerrado, oferecendo ainda perspectivas de renda para comunidades rurais.
Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Tocantins (Fapt) e realizado em parceria com IFTO, Ruraltins e Seagro, o trabalho integra ciência, sustentabilidade e economia. “A baunilha comercializada no Brasil, em geral, vem do México. Mas percebemos, em vários seminários e congressos aqui no Tocantins, o potencial das espécies nativas, adaptadas ao nosso microclima”, explica Naoe. “Identificamos exemplares no semiárido do Jalapão, nas várzeas tocantinenses e em áreas centrais do Cerrado. Resgatamos algumas plantas que hoje servem de matrizes para analisar quais são mais produtivas e resistentes”.
A dificuldade, segundo o pesquisador, está justamente na germinação — o primeiro passo para desenvolver novas variedades. “Outro setor já trabalha na multiplicação de plantas adultas por micropropagação, mas ainda não consolidamos um sistema para o cultivo em larga escala”, observa. “Se avançarmos, isso pode se tornar uma fonte de renda importante para agricultores familiares”.
O Desafio do Cultivo
O gênero Vanilla reúne mais de 100 espécies em todo o mundo, e cerca de 40 possuem frutos aromáticos. O Brasil é líder em diversidade: 40 espécies catalogadas, sendo 15 aromáticas — muitas desconhecidas fora do país. No entanto, cultivar baunilha exige condições específicas: ela prospera apenas em clima quente e úmido, sob sombra, e não sobrevive em áreas abertas. É a única orquídea com frutos aromáticos, contendo mais de 200 substâncias ativas, especialmente a vanilina, responsável pelo perfume característico que pode variar conforme a espécie e o local de cultivo.
Mesmo após o cultivo, extrair a essência é um processo minucioso. As vagens, chamadas de favas, precisam passar por uma cura que pode durar até dois meses, o que encarece o produto. Além disso, como muitos polinizadores naturais estão ausentes em áreas de cultivo, a polinização manual é frequentemente necessária — um trabalho delicado que reforça o valor da especiaria.
Conservação e Oportunidade
Para além da gastronomia e do mercado global bilionário, a iniciativa é um gesto de preservação. A baunilha nativa é uma trepadeira que depende de árvores adultas e ecossistemas equilibrados, o que a torna vulnerável a incêndios e desmatamentos. Ao buscar germinar sementes e desenvolver protocolos de multiplicação, os cientistas pretendem não só proteger o Cerrado, mas também valorizar o potencial aromático único das espécies brasileiras.
Se a pesquisa alcançar seu objetivo, o Tocantins poderá se tornar referência nacional na produção de baunilha natural, oferecendo um produto diferenciado e sustentável, capaz de movimentar economias locais e reforçar o compromisso com a biodiversidade. Um pequeno grão de esperança que, se germinar, pode perfumar o mundo com o aroma do Cerrado.
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