Notícias do Tocantins – A decisão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Municipal de Palmas de arquivar o Projeto de Lei que previa a inclusão dos Festejos de Iemanjá no calendário oficial da capital gerou forte repercussão nesta terça-feira (2). Por dois votos a um, o colegiado rejeitou a proposta apresentada pela vereadora Thamires do Coletivo SOMOS, que defendia o reconhecimento da história dos povos de terreiro e da população negra.
O arquivamento ocorreu mesmo diante de parecer favorável do relator e da Procuradoria da Casa, que já haviam atestado a constitucionalidade da matéria. O voto contrário do presidente da CCJ, vereador Pastor Juarez Rigol, e do também evangélico Rubens Uchôa selou a rejeição. Apenas Thamires se posicionou a favor.
Argumentos da CCJ
Ao justificar seu voto, Rigol afirmou que sua posição não seria contra a comunidade de terreiro, mas contra o que classificou como excesso de eventos no calendário oficial. “Temos que nos concentrar em projetos que venham salutar, algo que precisa ser feito para melhorar o aspecto geral da comunidade palmense. Mas volto a frisar: não tenho nada contra. Apenas me manifesto contrário ao parecer do relator”, disse.
A declaração levantou críticas por expor um critério de mérito — o que seria “salutar” ou não — em uma comissão que deveria analisar apenas a legalidade e a constitucionalidade das matérias.
Reação da autora do projeto
A vereadora Thamires reagiu duramente à decisão, acusando a comissão de restringir o debate democrático. “Negar a tramitação significou retirar da comunidade de terreiro o direito ao debate. Alegar que nada contribuem socialmente é uma falácia. São justamente os povos de terreiro que acolhem os grupos marginalizados e excluídos da sociedade”, declarou.
Ela também questionou possíveis vieses discriminatórios. “Eu me pergunto: se este projeto fosse apresentado por um vereador homem teria a mesma negativa? Se fosse um vereador branco? Se não fosse uma mulher negra, LGBT e de terreiro apresentando, teria o mesmo resultado? Há um silenciamento evidente, e isso não pode ser ignorado”, afirmou.
Thamires classificou a decisão como racismo religioso e institucional. “Peço que o Ministério Público e a Defensoria acompanhem o que está acontecendo. Isso também se caracteriza como homofobia. Não pode ser admitido numa Casa que é laica e que deve respeitar todas as parcelas da sociedade”, disse.
Defensoria Pública entra em campo
O Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH) da Defensoria Pública do Tocantins (DPE-TO) se posicionou a favor da continuidade da tramitação do projeto. Em Nota Técnica, assinada pela defensora pública Franciana Di Fátima Cardoso Costa, o órgão destacou que o PL nº 90/2025 é constitucional e está em sintonia com precedentes nacionais, como a criação do Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, celebrado em 21 de março.
A Defensoria argumenta que o projeto respeita o princípio do Estado Laico, promovendo diversidade e liberdade religiosa, sem privilegiar uma fé em detrimento de outra. O documento também lembra que outras datas de caráter religioso, especialmente ligadas ao cristianismo, já integram calendários oficiais.
“Infelizmente a CCJ não apreciou a nota protocolada na manhã de ontem quando se reuniu à tarde e decidiu, por dois votos a um, arquivar o PL. O NDDH está analisando o teor da decisão para verificar quais providências tomará”, disse Franciana.
Próximos passos
Com a decisão, o projeto permanece arquivado na CCJ, a menos que haja recurso ou mobilização para reverter o ato. O episódio, no entanto, reacende o debate sobre intolerância religiosa, discriminação institucional e os limites da atuação da CCJ em matérias de caráter cultural.
- Acompanhe diariamente as notícias do Tocantins pelos nossos canais no WhatsApp, Telegram, Facebook, Threads e Instagram.